O Rio é uma cidade aristocrática. Fato. Afirmo isso como alguém nascido e criado lá. É o local onde os direitos mais fundamentais de uma sociedade democrática existem apenas de modo seletivo. No Rio de Janeiro, a cidadania tem classe social. E é sabendo disso que Pedro Marchiori dirige o seu documentário, O Rio de Cada Um. Nele, indivíduos de diferentes idades e camadas sociais dão sua opinião acerca dos mais variados assuntos, que vão desde a paisagem mais bonita até o maior problema da capital fluminense.
Bom, em primeira análise, é preciso deixar claro que não há palavra que descreva melhor essa obra do que “impactante”, pois a maneira como o curta (e aqui se deve um elogio à edição, também feita pelo Pedro) consegue mesclar diferentes visões de mundo sem cair em um discurso vazio é notável. E mais ainda, ele consegue fazer isso sem adotar o tom maniqueísta de “bem contra o mal”. Logicamente, haverá momentos em que uma determinada perspectiva será mais coerente do que a outra, mas neste ponto destaca-se a honestidade dos realizadores ao não inserir nenhuma fala fora de contexto, pelo contrário, são feitas as mesmas perguntas para todos, o que muda é o conteúdo das respostas.
Tendo isso em mente, prepare-se para testemunhar um verdadeiro estudo sociológico do Rio de Janeiro. De inicio, os documentaristas optam por fazer uma pequena introdução de cada entrevistado e a traçar um panorama geográfico da cidade, ao passo em que perguntam apenas questões leves, como “qual é a paisagem carioca mais bonita?” e “qual o principal ponto turístico do Rio para você?”. Entretanto, já nesse momento você percebe que as respostas apresentam uma diferença gritante: para os mais afortunados, o leque de opções é enorme (cada um fala de uma praia que acha linda e de um ponto turístico que gosta muito de visitar), ao passo que para os pobres tudo se restringe às suas comunidades. É neste ponto que fica claro o caráter excludente da cidade, onde o direito de ir e vir é rigorosamente restrito.
Indo mais adiante, o filme aprofunda a sua análise e, de maneira corajosa, não se esquiva de evidenciar o modo como cada classe enxergar as mazelas sociais que assolam o Rio. Neste sentido, é um documentário que cumpre a sua missão; que consegue demonstrar, pelo meio audiovisual, o abismo que divide essa cidade. E tudo isso é evidenciado sem nenhum tipo de recurso expositivo que é tão comum quando se fala em Rio de Janeiro. Nada disso. Tudo é revelado através de entrevistas; é a fala de cada um que nos mostra a realidade.
Entre os entrevistados, é necessário ressaltar a participação de Luiz Fernando, um dançarino de 60 anos que mora na comunidade Pavão-Pavanzinho, em Copacabana. Ele é, em minha opinião, o ponto alto do curta. Os melhores discursos e reflexões são seus. Em um momento específico (talvez o mais forte do filme), a pergunta em questão é sobre o principal problema do Rio de Janeiro na ótica de cada um, e a resposta dele (a segurança pública) seguida pela de um morador de Ipanema (a insegurança) é de esmorecer o coração. Eu digo isso porque é a lógica de repressão do Estado que aprofunda a desigualdade e cria esse cenário fértil para todo tipo de delito possível. Ou seja, ao dar sua resposta, o morador de Ipanema reproduz justamente o discurso responsável por criar o problema que ele mesmo aponta, ao passo que o Luiz Fernando fala como alguém que sente os reflexos dessa linha de pensamento agressiva em seu cotidiano.
De modo geral, O Rio de Cada Um é um curta-documentário que merece (e precisa) ser visto por qualquer um que deseja entender de fato, sem nenhum tipo de deturpação ou romantismo, a dinâmica social que rege a sociedade carioca. Assim sendo, termino minha crítica parabenizando o Pedro e sua equipe técnica pelo filme e deixando aqui a recomendação para que ele seja assistido.
Comments