Amores escolióticos foi uma das minhas primeiras experiências com o cinema experimental. Confesso que nunca tive muita atração pelo assunto, tanto que evitei de estudar mais a fundo suas temáticas e obras principalmente no audiovisual brasileiro contemporâneo. Portanto, sem nenhuma surpresa, escrever uma crítica sobre essa obra vem se provando uma tarefa intensamente árdua e confusa.
A primeira abordagem que tentei utilizar como forma de encarar o filme foi tentar explicitar algum significado para as imagens e sons que me apareciam. Essa ideia surgiu assim que o filme iniciou com uma interessante justaposição de planos entre a silhueta de uma mulher em um carro e o que parecem luzes de uma estrada ou túnel. As impressões que senti foram de uma espécie de memória relacionando essa figura misteriosa e os flashes rápidos da rua, algo que me lembrou muito o uso de uma câmera descontrolada na estrada em “Lost Highway”(1997) de David Lynch.
Logo fui percebendo que não fazia muito sentido seguir com essa abordagem, pois mesmo que haja algum significado estabelecido para a maneira que as imagens no curta metragem se sucedem, não acredito que seja tanto de interesse, do realizador, ou até mesmo interessante para uma crítica cinematográfica por si só, a tentativa de uma atribuição de sentidos clássicos à obra. Desta maneira, tentarei me guiar por meus sentidos relacionados às sequências presentes no curta de forma majoritariamente isolada ao invés de me esforçar tentando montar um quebra-cabeça que acredito nunca ter tido o intuito de ser montado.
A seguinte sequência mostra o momento em que desisti de tentar pensar essa obra com a lógica clássica de uma narrativa. Uma mulher, que acredito ser a mesma do plano anterior, aparece em frente a um espelho utilizando alguma espécie de equipamento nas costas, que por conta do nome do curta imagino ser um corretor de postura, mas também pode muito bem ser um simples vestido. Enquanto ela permanece em frente ao espelho temos uma dissolução da imagem sendo interpolada com a das luzes da estrada sendo substituídas por uma espécie de buraco no qual alguém no canto da tela está urinando dentro. Sinceramente achei um pouco desnecessário esta inclusão, até mesmo em um curta metragem como esse em que o sentido clássico dos códigos acaba não tendo muita importância. O único motivo que consigo imaginar para a inserção desse momento é de uma tentativa de choque, o que não me agrada nem um pouco para um filme como esse que já tem um potencial imagético bem interessante.
Felizmente este momento é breve e o filme continua, a partir de agora noto uma tentativa da obra de utilizar da extremação da saturação de suas cores para criar diversas silhuetas de pessoas que interagem entre si. Para mim este, junto com a utilização do som carregado de reverberação, foram os usos linguísticos que mais me chamaram a atenção no curta, especialmente considerando que a única vez que conseguimos distinguir com clareza um rosto é na cena inicial do filme, o que me trouxe a sensação de um crescente descolamento com a realidade conforme a obra acontecia.
A partir deste momento o curta começa a adentrar totalmente na experimentação com diversas cores e sentidos diferentes. Se torna extremamente difícil discernir o que está acontecendo ou o que estamos vendo. Nessa hora, entre vários pensamentos que passavam em minha mente, o mais proeminente era da curiosidade de como foi feito este curta metragem especialmente em sua pós produção. A intensidade do som se intercalando entre barulhos de vento, interferência de rádio, sussurros bem ao fundo e súbitos graves me passaram o maior sentimento de tensão que havia tido desde o começo do filme.
Chegando ao plano final da obra temos uma silhueta, totalmente desfigurada pela distorção da imagem, de um ser humano que vai se aproximando da tela e nos olhando fixamente enquanto uma contagem vai aumentando a tensão já previamente estabelecida até chegarmos ao fim do curta.
Não irei mentir que me senti bastante desconfortável assistindo a obra, porém também me vi deveras curioso com todo o processo por trás do filme. Desta maneira, seja como um mero exercício de produção ou um projeto com temáticas mais profundas que infelizmente me escaparam, Amores Escolióticos é uma obra que me deixou profundamente inquieto enquanto assistia. Seu ponto mais forte com certeza é a criatividade na qual tenta extrapolar ao máximo os limites que a mídia digital consegue alcançar até chegar na criação de um universo lúdico de formatos, cores, ruídos e atmosferas.
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