Mundo Real, História do Caos é um filme, no mínimo, provocativo. Uma paisagem surge em tela – vemos uma planície, uma vegetação variada, o céu azul com nuvens e um horizonte montanhoso ao fundo; o sol se apresenta centralizado em quadro. Uma imagem quase simétrica, meio artificial. Uma música toca, um som de origem eletrônica. Uma voz emerge na banda sonora e questiona: es este el mundo real?
Um objeto 3D atravessa a câmera e passa a integrar a imagem. A paisagem se transforma e nós obtemos nossa resposta: não é o mundo real. É um simulacro computadorizado; uma fotografia dentro de um computador inserida em algum software que renderiza o espaço e constrói mundos – como as engines de vídeo games.
Bom, a questão do digital não é algo novo para o cinema. Uma arte com pouco mais que um século teve de lidar – e continua lidando – com essa questão durante quase um quarto de sua história. A troca da película pelo vídeo e subsequentemente pelo registro digital acelera e permite que certas ânsias de realizadores se tornem mais alcançáveis. Pense como Abel Gance, cineasta impressionista, iria lidar com a possibilidade de filmar Napoleão (1927) no digital. Ao mesmo tempo que ele poderia rejeitar este novo registro pela sua distância ontológica para com o ser gravado, poderia ser de seu interesse as diversas experimentações pictóricas que os programas de edição de imagens permitem.
Ou mesmo os expressionistas alemães: o que seria Nosferatu (1922), de Murnau, se fosse realizado diante das perspectivas de um cinema digitalizado? Permaneceria um filme que se apega a encenação ou extrapolaria seus exageros, apelando para os efeitos especiais? A evolução tecnológica não é ruim; não pense que pelos meus comentários eu sou um reacionário apegado ao cinema de película que recusa o digital como uma espécie de fim catastrófico de um certo “cinema puro”. Pelo contrário, sou um entusiasta deste outro cinema.
Se você, leitor, acabar trombando comigo em algum outro lugar desta vasta internet, é possível que se depare com outros textos meus discutindo este mesmo assunto. Por isso, pretendo não me perder no raciocínio – uma desorientação muito possível dentro deste universo infinito de possibilidades que compartilhamos, e que levou Lucas Gomes da Silveira a se perder dentro do próprio argumento.
O uso dos memes no filme soa como um esforço hercúleo para revisitar estes conteúdos por um outro olhar. Silveira reposiciona os memes em seu filme; usa desse ambiente virtual para alocar figuras do cotidiano web de um jeito a tirá-las de contexto. Pelo menos é o que parece. Contudo, o uso repetitivo de um vídeo, som ou qualquer outro tipo de texto não vai além disso. É um filme alongado por imagens vazias, que assim como uma visita momentânea ao ambiente virtual resultará em uma enxurrada de conteúdos pueris.
Ainda assim, vale pensar o deslocamento desses conteúdos e o esforço de Silveira para inseri-los dentro do espaço cinematográfico. A priori vamos pensar em um contexto: onde Mundo Real, História do Caos vai ser exibido? No momento em que eu assisto ao curta e lhes escrevo a crítica, o faço no Desver, um festival online. Logo, o ambiente tematizado pelo filme é o mesmo em que eu me encontro consumindo a obra.
Por outro lado, é possível que, se não fosse pela pandemia, esta obra rodasse os festivais em salas de cinema com telas grandes e um bom acompanhamento sonoro. Nesse segundo caso, após cada sessão, todos retornaríamos ao Twitter para comentar os filmes que vimos, para postar sobre em redes sociais, usando memes, gifs e etc.
O ponto para mim é que Mundo Real, História do Caos é apenas uma extensão da internet. Uma verborragia constante em conteúdo, mas que em forma existe apenas como uma muleta – um cacoete para dizer ao espectador que é algo novo. Para mim, pelo menos, não é. Tanto o uso do 3D quanto a reapropriação de memes da internet é uma forma que os próprios criadores de conteúdo online já institucionalizaram.
Por excelência, um vlog disponibilizado no Youtube tem a mesma experimentação que este filme. E não falo sobre quantidade, mas sim sobre um uso inteligente das formas e um reposicionamento real dos recursos – algo que me fizesse consumi-lo como cinema e não como um vídeo aleatório da internet. Ver um trecho do Big Brother Brasil no qual a Karol Conká se revela uma escrota em cima do Trono de Ferro, fazendo uma conexão entre Game of Thrones e o universo de celebridades brasileiras, não é algo que vá muito além da já repetitiva e prolixa experiência no ciberespaço.
Novamente, não é sobre um saudosismo; nós podemos encontrar coisas incríveis no Youtube, no Twitter e em outros lugares diversos que não a escura e gelada sala de cinema, mas para isso deve-se deixar a mediocridade de lado – abandonar o lugar comum. Acaba sendo prepotente, ainda mais depois que no fim da sessão lê-se estampado no monitor um título tão fabuloso.
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