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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

Foto do escritorJoão Gabriel Pelosi Pereira

Brincadeira de estilo

Disque Amizade mostra apreço pelas suas referências cinematográficas durante toda a rodagem. A televisão neonwave, a música sintética, a fonte vermelha do título e os pôsteres de filmes no quarto do protagonista são elementos que, logo nos primeiros minutos, explicitam várias delas. São obras de horror como Suspiria, Drácula, Psicose e A hora do pesadelo; o diretor Steven Spielberg; e, principalmente, a série Stranger Things. É dessas últimas duas, inclusive, que o filme mostra gostar tanto a ponto escolher os anos 80 como ambientação da história do Rafael, garoto que precisa salvar sua amiga do assassino que os escutara na rede de conversas telefônicas que dá nome à obra. E é dessa profusão de citações que me surgem dois sentimentos antagônicos. Se por um lado Disque me alegra, por outro me decepciona profundamente.

Começo pela parte boa e já adianto que para meus amigos da UFMS isso pode ser um pouco repetitivo. A verdade é que eu gosto muito do Spielberg. Entrei na faculdade e escrevo este texto agora justamente por causa dos filmes dele. Mesmo que o curso tenha me apresentado a muitas outras filmografias pelas quais também tomei gosto, ainda é com esse diretor que mais me divirto e emociono. E, para além do cartaz de Contatos imediatos de terceiro grau, eu vi bastante dele na decupagem do curta do Eduardo Aliberti. E me alegra perceber que mais estudantes universitários compartilham do apreço à mesma filmografia. O travelling para frente que prenuncia o mal ao mover a câmera em direção ao telefone ao passo que os amigos se inserem cada vez mais na conversa; a aposta no close para construir o sentimento de medo quando eles percebem o perigo na linha; e a panorâmica que permite ver no mesmo plano a expressão de esperança do protagonista em seguida do espaço que ele deve percorrer para chegar até sua amiga são momentos muito spielbergianos. Eles me lembram muito do Steven e mostram que o diretor de Disque aprendeu com ele um dos principais princípios do cinema arquetípico, o de entender o manuseio da objetiva como contador de histórias e motor de sentimentos. Mesmo nas sequências em que a alusão ao realizador americano não se faz presente, resta ao filme essa compreensão. Ele é feliz, então, nas suas escolhas formais, à medida que elas se mostram eficientes para meu engajamento na narrativa.

Nesse sentido, o momento em que mais me divirto no filme é quando Rafael chega na casa de sua amiga para salvá-la do assassino. As câmeras fixas em tripés, estabelecidas no começo do curta, preparam uma quebra de abordagem estética que acontece nesse que é seu clímax. A objetiva vai para a para a mão do cinegrafista e as trepidações consequentes desse ato conversam com o estado do protagonista dentro da história: ele está apavorado. Essa técnica também estabelece a possibilidade de se fazer panorâmicas rápidas dentro de um plano longo. As espécies de chicotes que seguem o movimento do personagem pela casa onde está o vilão me deixam apreensivo. Eles me fazem sentir que o monstro será enquadrado dessa forma, subitamente. E é isso mesmo que acontece. Pulo da cadeira mesmo assim. Mas meu susto aqui é o que menos importa. O que quero ressaltar, acima de tudo, é a virtuosidade do filme em, através da decupagem, me fazer sentir o mesmo medo que o personagem sente e, dessa forma, me permitir embarcar no mundo ficcional a partir de alguém para quem eu possa torcer. O divertimento vem da empatia.

No entanto, há uma coisa na obra que complexifica e bagunça meus pensamentos sobre ela. É bem verdade que suas referências me lembram que mais estudantes olham com amor para os filmes que me encantaram pelo cinema, além de funcionarem no aspecto narrativo da obra ao deixá-la engajante através de uma decupagem clássica que bebe da fonte desses mesmos filmes. Mas quando penso nos figurinos, objetos de cena, nas cartelas de título e nos pôsteres… tudo me parece muito mal articulado. Nada me convence de que a escolha de todos esses elementos foi feita por outra coisa senão a referência pura e simples, pelo ligeiro ato de mostrar admiração. Tenho certeza de que o diretor gosta de todos os filmes que são citados no Disque. Eu também gosto. Mas talvez a alegria que descrevi nos primeiros parágrafos seja gerada por causa da lembrança deles, e não pelo curta. Ele não faz uso das referências de maneira construtiva: Rafael não se safa do assassino por conhecer alguma daquelas obras, por exemplo. As histórias que o conquistaram naquele mundo ficcional não servem para nada. Ele torna-se um mocinho genérico independentemente de seu background cinéfilo sem que o filme se preocupe com isso. Coisas são colocadas em tela sem a responsabilidade de se desenrolar narrativamente. A escolha pela ambientação nos anos 80 à la Stranger Things nem mesmo se justifica, uma vez que a história poderia acontecer nos dias atuais (o telefone poderia ser substituído por qualquer aplicativo de compartilhamento de voz online). O filme não articula seu amor pelas obras citadas, somente as cita. É isso o que me decepciona.

No fim das contas, Disque Amizade parece mais um exercício de estilo do que qualquer outra coisa. Enquanto a forma clássica é referenciada e se converte num uso da decupagem que me diverte, as outras citações são tidas apenas como meros acessórios da direção de arte e contribuem para que o filme não diga nada. Não há nenhum traço de autoria ou visão diferente sobre aquilo que é colocado em tela através dos figurinos de época, dos objetos de cena e dos pôsteres. Não há nem ao menos justificativa para a existência deles. E, nesse sentido, o final do filme parece a perfeita síntese do que ele é. Quando os créditos sobem depois que Rafael descobre que tudo não passava de uma brincadeira, me aproximo novamente do sentimento dele por pensar a mesma coisa do filme. É uma brincadeira sem propósito.

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