No início, temos um plano de carpas em um espelho d’água com um voice over da menina que tem seu rosto refletido nesse. Ela diz ter tido um “mau pressentimento”, algo que ainda não fica muito claro. O curta consiste no diálogo entre um casal de amigos nesse espaço, em que refletem sobre suas vidas num jogo de perguntas e respostas. Despedida se passa em Brasília, e, ainda que não fosse dito, foi o meu primeiro palpite de localização da historia, devido a lembranças minhas de luz, construções e espaços de lazer semelhantes aos da cidade. Nela, realmente há áreas de convívio bem planejadas para servirem como oásis dentro desse deserto metropolitano, sendo a isso que me remete o local escolhido para as gravações: um refúgio da vida cotidiana para se ter discussões desde temáticas universais até as mais íntimas. A obra, assim, passa-se num jardim bem arborizado, com uma arquitetura pesada ao fundo, com uma luz natural branca realçada que dá uma atmosfera etérea ao vergel. Essa último ponto também me remete a uma iluminação mais mediterrânea, como da região toscana da Itália. Elementos que alimentam a ideia de uma atmosfera confortável, segura e familiar, quase como num sonho.
Penso que há uma certa inconsistência entre a resposta e pergunta de ambos, o que nos atrapalha a ver esses personagens como coerentes. O garoto questiona hipotéticamente a preferência entre viver em um espelho d’água ou no mar aberto caso a menina fosse um peixe. Uma pergunta metafórica sobre a qual ela diz preferir permanecer ali como uma carpa, a fim de evitar a ansiedade imensa que o oceano representa. Contudo, logo depois a jovem propõe uma questão que coloca como opção a mudança de país, e dessa vez quem diz preferir ficar onde está é o menino. Gosto desses pensamentos apresentados pois me fazerem refletir sobre minhas próprias escolhas e contradições pessoais. O diálogo também agrega força à carga dramática da conclusão quando o menino deixa claro não querer deixar aquela realidade, por não estar “pronto para ir”, mesmo que uma inevitável despedida esteja a caminho para separá-lo do local de conforto em que ele encontra tão bem inserido naquele momento.
A decisão de não nos permitir ouvir a música que eles estarão compartilhando nos fones, em dado momento, seguida pela cena do abraço, é outra sabia escolha da direção que permitiu que eu me deixasse levar muito mais pelo sentimento expresso. Essa permissividade ajuda a dar condição para quem assiste a entender as intenções mais misteriosas dos personagens e envolver-se com a trama. A meu ver, essa escolha conversa muito com a poética da obra ao mostrar o que se passa entra eles, melhor do que os voice overs óbvios e muitas vezes redundantes, por exemplo. Tal redundância provavelmente se repetiria assim como toda construção desse lugar – de atmosfera íntima em que muito é subentendido sem ser necessariamente dito – quebraria-se com a inserção de uma música.
Mas a cena que realmente me marca no curta é o último plano, pois é nele que se eleva muito o nível da despedida. Ao mostrar o garoto caminhando entre as árvores para longe da câmera, rumo a um horizonte que não se vê o fim, a cena reafirma com expressividade e delicadeza a informação dita pela jovem no voice over de que aquela seria a última visão que a ela teria tido dele. O jovem enquadrado pela câmera parada, o caminho e as árvores ao redor dizem tanto que me fazem questionar a necessidade do voice over, e, apesar desse uso ser justificado para explicitar que o garoto não voltaria, o plano longo foi mais imprescindível para a minha experiência. A confusão instaurada em mim se deu por conta da paz e conforto em conflito com uma perda que é representada com tamanha calma pela mise-en-scène. Mantendo a beleza poética da proposta, cada passo dado para longe é como se perdêssemos não só o garoto de vista, mas realmente ele deixasse a vida e se despedisse enquanto caminha para um outro plano que não o mesmo daquele refúgio.
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