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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

Foto do escritorGiovanna Melgarejo

Entre o Sagrado e o Profano: A Ambiguidade em El Canto Del Urutau

O que é um urutau? Foi o que me perguntei ao terminar o incrível curta-metragem El Canto Del Urutau, dirigido por Moisés Saydhi Vivas Luna. O urutau é um pássaro noturno, originário da América do Sul e, aparentemente, bem bizarro. Ao pesquisar mais um pouco, descobri que há uma lenda que associa o urutau a um sinal de mau presságio e diz que seu canto pode anunciar a morte de alguém próximo.

A princípio, o que mais me chama a atenção no curta-metragem é a fotografia. Suas imagens me trazem a sensação de um sonho, com sua atmosfera que é sombria e misteriosa por conta do que é retratado nelas, mas ao mesmo tempo sempre clara e bem iluminada em decorrência das luzes externas que invadem a casa. A fotografia traz um certo desconforto ao trazer essas iluminações em cenas tensas, isso a torna um elemento de destaque no curta. A atmosfera de tensão prepara os espectadores para o que surgirá no filme. 

O curta também traz uma questão muito interessante: a da religiosidade dos personagens. Logo no início, temos uma cena muito intrigante, em que o casal toma um banho de ervas. Mas, enquanto eu a assistia, eu só me questionava: por quê? Nos minutos seguintes, entendemos que o casal Luisa e Rafael são religiosos, em uma discussão preocupada sobre os acontecimentos que acometeram os arredores de sua casa, provavelmente causados pelo canto do pássaro.

A preocupação do casal é ressaltada quando escutamos o choro de um bebê, o filho deles. Luisa e Rafael parecem acreditar em muitas lendas e sinais e, portanto, não perdem tempo para tentar proteger o bebê e a si mesmos com pequenos rituais, orações e outras formas de proteção.

Logo após um flashback bem iluminado em que vemos uma breve conversa de Luisa e Rafael enquanto ainda esperavam pelo bebê. A atmosfera sombria se intensifica em uma das duas cenas mais escuras do filme. Diferente de outras cenas tensas que eram bem iluminadas pelas luzes oriundas das janelas da casa, essa parecer assumir mais a escuridão Nela também é mostrado para o espectador que a figura avistada por Rafael pela janela e, a princípio, considerada um anjo, parece ser uma criatura maligna - marcando, certamente, essa como uma das cenas mais impactantes do filme. 

O que também me surpreende nesse filme, em que religiosidade e lendas são temas principais, é que no ápice da trama, temos uma cena bem gráfica. No meu conhecimento sobre filmes de terror psicológico, acredito que utilizar bonecos ou maquiagem para representar assuntos religiosos não é comum. Por isso, me surpreendi ao ver a representação do anjo que Rafael viu. A figura é representada com um boneco, com vários olhos e sujo com um pouco de sangue, o que me parece  desconexo para esse filme.

Ao discorrer sobre a fotografia do filme, falei sobre a maioria das cenas lembrarem um sonho,  por suas escolhas de composição e iluminação surrealistas. E se prestou atenção, percebeu que eu falei a maioria. Sendo a exceção apenas uma do curta. A cena seguinte a do anjo é diferente das demais, tem uma iluminação comum, é a única cena externa do filme, ensolarada, mais alegre, menos sombria. Parece trazer um conforto, pois leva a entender que o bebê foi salvo do anjo, mas a sensação das cenas anteriores perdura e deixa um gosto ruim na boca. Depois de todo o caos que nos foi transmitido, temos uma cena que era para ser reconfortante e tranquila, mas que traz o efeito contrário e  me faz estranhar suas intenções. Será que é um delírio? Uma imaginação que conforta a mãe sobre o destino de seu filho? Eu acredito que essas perguntas seriam respondidas se o filme acabasse por aqui, mas ele não acaba. 

Depois da cena alegre, nos aproximamos do final do filme, a casa onde o casal mora agora está devastada. Além de muito suja, há móveis jogados no chão, como o berço de Emmanuel, o filho do casal. O que será que aconteceu? Foi o anjo? Houve uma briga? Foi o casal? Nenhuma dessas perguntas são respondidas. A cena final do filme é um diálogo entre Rafael e Luisa, que possuem vendas em seus olhos, que foram arrancados. 

Nesse diálogo, as falas de um contrariam as do outro, Luisa diz coisas que fazem parecer que ela sabe o que é real e o que não é, enquanto Rafael pede desculpas por ter confundido a criatura com um anjo e parece estar preso em pensamentos fantasiosos..

Lendo-me dizer que algumas perguntas não são respondidas mesmo após a cena final, faz parecer que o filme para mim não foi satisfatório, mas pelo contrário. Acho que o fato de ficarem alguns questionamentos ao longo do filme como: ‘’será que o bebê foi realmente salvo?”, não o torna ruim, e sim o oposto.


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