Nem todo filme conta uma história. Às vezes eles buscam transmitir uma mensagem sem atrelar a uma narrativa, que às vezes pode ser eficiente ou não. Esse é o caso de A Poesia do Despercebido, filme não-narrativo que consegue ser claro quanto a sua ideia central: permita-se sentir a beleza da finitude, das coisas imperfeitas, da incompletude e de tantas outras noções que deixamos passar ao olhar para o mundo.
É quase como aprender a respirar. Quando se acredita que desacelerar é perda de tempo, seu tempo de estar com quem você gosta ou fazer algo que te faz bem acaba sendo tomado, mas são as marcas deixadas por ele que nos fazem apreciar a beleza do universo. No caos da nossa sociedade, como explicar que um vaso com rachaduras e flores secas têm mais valor do que o último smartphone lançado? É como o próprio filme nos diz, nem tudo pode ser explicado, mas sentido, e foi o que eu me permiti fazer ao assisti-lo e me surpreendi com o resultado.
Vamos ao que o filme propõe: sinta, viva, olhe, aprecie, contemple seu entorno, o seu eu e tudo o que está a sua volta. A simplicidade, a leveza e a delicadeza que essa obra carrega traz profundidade e estética fantásticas, uma vez que consegue transformar objetos e cenas “banais” do cotidiano em algo encantador. A linguagem usada é acessível e a trilha sonora instrumental contribui para o sentimento de calma e contemplação, como vou desenvolver mais à frente.
Assim, a obra explora percepções do universo e ideais em forma de poesia, utilizando de filosofias japonesas para expressar conceitos que não temos no português, mas que entendemos muito bem, pois podemos senti-los. Conceitos tais como o modo de valorizamos as coisas pela influência do tempo, as singularidades que fazem as coisas únicas, a melancolia dos fins ou as marcar que nos fazem ser quem somos.
Os elementos dessa composição casam tão bem que parece que estamos vendo um clipe musical cuja música fala sobre a beleza do tempo, a apreciação das imperfeições, das singularidades, e as marcas, nossas cicatrizes que contam nossa história e nos fazem ser quem somos, surgem em quase uma procura pela felicidade.
Simples e de baixo orçamento são características que poderiam ser um empecilho, mas aqui se tornaram força. A criatividade da autora transborda ao utilizar de recursos básicos como imagens tremidas, desfoques, sobreposições, granulação e até imagem de baixa resolução. Tudo isso junto com as cores e os enquadramentos criam composições que mais parecem pinturas, como quadros de natureza morta, ou então optam pela estética de filmagem caseira, dando um ar mais intimista para o curta e mostrando não só um domínio da fotografia, mas também da atmosfera proposta, a calma, a contemplação e o pensar.
Em sua despretensão, essa produção consegue atingir resultados que talvez não teriam o mesmo impacto caso houvesse um requinte de construção audiovisual exacerbada, uma vez que criaria dissonâncias com a mensagem passada. Neste caso o menos é mais, pois a simplicidade do modo de fazer se alinha a temática.
Para não falar que eu gostei de tudo, alguns cortes abruptos geraram estranheza em meus sentidos. No entanto, estes de nada atrapalharam minha experiência, pois acredito que têm justamente o intuito de criar uma pausa para nos fazer absorver e ter tempo de pensar sobre o que está sendo dito, uma ideia defendida inclusive durante o curta.
Posso dizer que simplesmente não consigo não gostar do filme. O tom reflexivo encontra um equilíbrio, entre o pensar e o sentir, muito agradável de ver. Não é aquele filme excessivamente emocional e nem aquele que requer conhecimentos prévios, seja da teoria da relatividade ou de algo que te cobra uma mega interpretação. É um filme fácil e nem por isso se torna desleixado ou indigesto. É um filme contemplativo que acolhe principalmente aqueles cujo o caos diário os afasta das percepções do mundo. Se fosse resumir, eu diria que a obra é tão inspiradora quanto bela, como uma obra de arte bucólica que nos convida a observar e especialmente a sentir.
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