Minha experiência com Flores que Quebram o Concreto foi frustrante. O que aparentava ser, no início, uma interessante investida em direção ao universo do hip-hop e do grafite nas cidades do Rio de Janeiro eNiterói, acabou se provando um documentário vazio e que não se sustenta em sua quase meia hora de duração. E digo isso porque, de verdade, os primeiros cinco minutos de exibição foram fantásticos:um mundo novo e até então desconhecido para mim, com personagens, à primeira vista, interessantíssimasindo em busca de um objetivo comum e bastante relacionável (aqui, acompanhamos mulheres tentando se estabelecer nas rodas de música e vencer as barreiras do sexismo e do machismo impostas a elas).
Neste começo, até as falhas técnicas mais visíveis, como a captação de sons em diferentes microfones (alguns muito ruins) e a aplicação de zooms digitais para dar mais ritmo às entrevistas (o que acabou acarretando em imagens bastante precárias)aparentavam ser apenas uma nota de rodapé em uma experiência maior – talvez este fosse o vencedor do festival, eu pensei. Mas então tudo desabou.
E uma das únicas coisas que se manteve constante durante todo o percurso foram os erros técnicos (em dado momento, o som fica tão ruim que a pós-produção teve de inserir legendas para que entendêssemos o que uma das entrevistadas fala). De resto, as diretoras Alessandra Vieira e Amanda Ares parecem não enxergar o potencial quetinham em mãos e fazem de tudo para atentar contra a própria proposta.
Primeiro, devo dizer que as noções de grafite e hip-hop enquanto arte são completamente escanteados para dar lugar a um discurso feminista rasoe que pauta a obra como um todo. Explico:ao invés de apresentar estas mulheres como artistas competentes esuas respetivasexclusões desses espaçoscomo resultado de puro preconceito reacionário (o que o próprio documentário parecia prometer em sua introdução), o que temos aqui são algumaspoucasfotos de grafites feitos pelas personagens que entram de forma desconexa, e algumas rimas esporádicas de batalhas que não agregam muitoàs sequências que pertencem (não desenvolvem bem as suas compositoras enquanto artistas).
Qual o processo criativo delas? Como a música faz parte de suas vidas no dia-a-dia?Por que a música, em primeiro lugar? Tudo é mal respondido (quando sequer é tocado) e temos, ao invés disso, um número inacreditável de personagens sendo inseridas e dizendo coisas que, hoje em dia, me parecem integrar um discurso de senso-comum entre uma parcela da sociedade.Parcela esta que, ao que o próprio documentário sugere no depoimento de três organizadores de uma roda de música em que só homens participam – e que eles admitem, em tom de denúncia, se tratar de um meio preconceituoso –, estas mulheres fazem parte.Então porque o discurso não se aplica na prática? Não sei responder, e muito menos o filme.
Não há, nem mesmo, um aprofundamento nas histórias das próprias personagens retratadas. De novo, ficamos no mais raso discurso possível e nunca conseguimos sair dele, por mais que eu tenha tentado, com todas asminhas forças, nadar pra fora do poço em que esta obra se meteu.
Uma das grafiteiras dá nome ao filme – a que eu achei mais interessante, e que recebe um tempo ínfimo de tela, inclusive. Ela conta que, certa vez, leu uma obra da Elektra escrita por Frank Miller e, nela, o quadrinista posicionava a heroína como sendo uma flor tão poderosa que era capaz de quebrar o concreto. Nesse momento, eu me ajeitei na poltrona e abri um sorriso – porque isso era algo com o qual eu podia me relacionar; porque soava verdadeiro e importante para ela, e não apenas como um discurso pré-escrito e encenado com fins de militância vazia. Mas não. Isso se torna mais um acidente de percurso do que qualquer outra coisa e a fala parece ser aproveitada apenas de forma pontual. Uma pena.
Outra coisa que me incomodou foi a decisão de filmar o documentário comcabeças flutuantes. Se o hip-hop e o grafite são obras novas e (como muitos descrevem) transgressivas; se são uma possibilidade outrade entendermos o mundopara além do traço naturalista e dos arranjosmusicais há muito estabelecidos, aqui temos um filme bastante covarde. Nos são apresentadas mulheres falando sobre como é importante a integração com o movimento e denunciando o machismo através de um modelo de filmagens criado por um homem e amplamente difundido pela cultural hegemônica e dominante (e não, não há nenhum movimento de apropriação para se criar algo novo ou se tecer uma crítica a isso).
Até parece que as realizadoras se dão conta disso de vez em quando e inserem imagens sobrepostas para fazer algo mais descolado e moderno – como os rostos das pioneiras do hip-hop feminino em forma de homenagem, ou em uma cena em que os movimentos de uma dançarina ganham mais ritmo através do posicionamento da mesma imagem em razões de proporção menores sobre a tela. Mas tais momentos não passam de algunsflashs que logo se apagam, e nãoconseguem se justificar dentro da estrutura geral adotada pelo próprio projeto (porque são muito esporádicos; de novo: quase acidentes).
Ainda dentro deste ponto, em diversos momentosessas cabeças surgem em frente a favelaspara darem as entrevistas – e fica por isso mesmo. Não há quaisquer aprofundamentos ou motivos para isso, só uma filmagem que parece não refletir sobre o que está fazendo e acaba reforçando um estereótipo ao não se propor a conversar sobre o assunto (o de que um grande número de artistas do hip-hop vem das periferias). É cruel, fetichista e sem nexo. Quando o filme terminou e percebi que aquilo estava ali só para compor cenário, o que me tomou foi um sentimento intenso de raiva. Raiva pela falta de bom-senso, raiva pelas possiblidades perdidas, e raiva por não entender como alguém promete tento e acaba entregando algo assim.
Enfim, acredito que nessa altura do campeonatojá está óbvioque eu não gostei do filme. E, talvez, o maior pecado da obra para mim seja justamente o curta prometer essa quebra de umalicerçea partir do belo e do novo; prometer a mais poderosa das rosas e entregar, no lugar, um cravo de plástico – planta que ainda tem de passar por um bem-me-quer, malmequer da falta de bom-senso das realizadoras. Paciência...
Acho que você tá meio errado. além de esculachar um filme universitário, esqueceu que o filme é universitário. Que talvez ou com certeza os bacanas do curso de cinema mesmo, tem oportunidades financeiras, conhecimentos específicos e tempo de sobra pra fazer algo, ao seu nível de bom. Tu desconhece totalmente as criadoras e o corre que a galera teve pra entregar um doc que provavelmente é o primeiro feito com esse tema. tu foi bem crítico mesmo e como todo crítico, chato... Críticas devem ser feitas com certeza e ninguém tem que gostar de tudo, eu por exemplo odiei cada palavra que você escreveu e acho que deve repensar seu trabalho também, como o crítico que diz ser. Tá mais…