A ideia simples de Kikazaru de apresentar fragmentos e percalços diários de deficientes auditivos, não deixa nem um pouco a desejar no que se propõe enquanto experiência sensorial. A produção inicia-se com o plano de um relógio, seguido por outros de diversos objetos da casa, ao passo que uma legenda descreve o som ambiente. A passagem desses quadros é o que impõe o ritmo da obra, já que o curta abdica completamente do som. Ele busca nos colocar no lugar de uma pessoa surda a essa decisão quase obvia de direção se mostra muito potente aqui. Apenas quase, pois apesar de querer demonstrar de forma sensorial e por poucos minutos a vivência de um surdo, a obra não se deixa resumir por essa escolha formal. A legenda dos sons escolhidos para acompanhar os planos dá ênfase a sua ausência, de forma que eu passava vontade de ter acesso a esses ruídos. Isso somado aos entraves cotidianos elucidados pelo curta e principalmente a opção de por qual ótica abordar a ideia proposta, são o que fazem Kikazaru de fato interessante.
É necessário atenção para compreender todos os elementos trazidos a esse universo apresentado. Seja a chamada de vídeo, a imagem de uma pessoa conversando por linguagem de sinais, a legenda da televisão ligada ou o bilhete deixado a porta, são esses elementos que trabalham para transmitir experiência e reflexão desejadas, contextualizando a vida do personagem no processo. Dentre todas estas, talvez o plano mais importante seja o do bilhete na porta do quarto, já que o comportamento da mãe perante a surdez de seu filho é o foco da abordagem escolhida. A ótica utilizada é uma forma muito sensível de tentar demonstrar a relação sendo trazida à tona ali, assim como a cumplicidade tão necessária entre as duas personagens em suas rotinas.
Desde o início, eu me coloquei na posição de ler, assistir e completar mentalmente com os sons tão conhecidos as imagens apresentadas, pois a privação deles é muito forte para mim. Como já comentado, as imagens cuidam de ditar o ritmo na falta do som. A tentativa da legenda em se sincronizar com essas imagens em certo momento em que a cadência delas aumenta gradativamente me fez sentir ainda mais imersa na experiência. Sobretudo, ver as palavras a certa altura não conseguirem acompanhar a progressão visual me tirou da condição de apenas expectadora e me faz realmente experimentar a dificuldade que é acompanhar um ritmo que não o meu próprio.
Depois de analisar alguns tantos curtas, é satisfatório ver um tão breve conseguir desenvolver seu tema com elementos menos óbvios. Em conjunto a tantas informações sensoriais e representativas trazidas, senti-me impelida a desvendar também de onde veio esse título tão singular, e me surpreendeu descobrir que Kikazaro na verdade designa o macaco que tampa as orelhas, assim como cada um dos macaquinhos mostrados em close na produção tem um. Ademais, senti a forma poética das pinturas serem legendadas como uma metáfora para fazer transcender aquela rotina a outros âmbitos, como se legendasse todo o mundo para a melhor compreensão e inclusão das pessoas com a condição debatida.
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