O documentário O Céu de Lá nos convida a adentrar um ambiente familiar composto, aparentemente, de forma majoritária por mulheres. Nós somos levados a caminhar pela casa e pelas memórias de duas senhoras, Maria e Luiza, irmãs que vivem juntas e, de quando em quando, tem suas falas embaladas pelos sons dos aviões decolando, por morarem perto do aeroporto.
Maria e Luiza conversam entre si, com Ana e Socorro, e com a câmera. Às vezes não terminam suas histórias, às vezes terminam; em alguns momentos não terminam nem suas falas. Mas não saber a totalidade do que está sendo dito está longe de ser um ponto negativo, mesmo para aqueles que tem ânsia pela completude das coisas. O diretor Bernardo não parece querer conduzir o que é dito, o que torna o filme tão gostoso de assistir. A sensação é de realmente estarmos passando uma tarde tranquila na casa da avó com muito assunto e café.
Até há um instante em que o diretor tenta interferir no rumo da conversa: em uma cena em que podemos ver as duas irmãs, Luiza conta sobre quais profissões tinha vontade de exercer; nessa hora, Maria tenta diversas vezes introduzir sua visão sobre o mesmo assunto, mas é sempre interrompida. Bernardo tenta pedir que sua tia permita que a avó fale, porém, ele é vencido com um simples “pera aí” de Luiza, que retoma a fala para si. A permanência dessa cena é quase essencial para a construção dessa atmosfera caseira, a qual muitos dos que já conviveram com alguém de mais idade que gosta de conversar devem ter presenciado: as interrupções, não por maldade mas pelo desejo da conversa.
Logo antes, podemos acompanhar a filha de Maria penteando e trançando o cabelo da mãe. Esses segundos carregam, além de uma tranquilidade, um simbolismo muito bonito da vida. A transição dos cuidados, quando deixamos de ser cuidados por nossos pais e nos tornamos seus cuidadores. Maria estar segurando o pente enquanto sua filha arruma seu cabelo, particularmente, levou-me de volta a quando era pequena. Eu sempre ficava com o pente em mãos enquanto minha mãe prendia meu cabelo. E, também, fez-me vislumbrar o futuro, quando será a vez da minha mãe a segurar o pente.
O uso das fotos projetadas na tela permeando o filme igualmente trazem ao documentário esse ar de aproximação com as personagens. Não só como meio de ilustração, mas por serem fotografias carregadas de momentos que foram importantes para aquela família. Além disso, podemos notar como o movimento de retomar fotos pode ser, na maioria das vezes, um exercício de se reconectar consigo mesmo, com sua vida (como ela foi, como é e como vai ser) e poder relembrar quem esteve com você. Isso é claro nas cenas em que Maria pode vislumbrá-las ao mesmo tempo em que reconta suas histórias de vida, vemos, ali, como as fotografias são capazes de nos fazer revisitar o passado.
Filmes como o de Bernardo Tavares sempre ganham um espaço no meu coração. Esse, em especial, fez com que eu entrasse em contato com emoções guardadas no cantinho do peito, como aquela saudade gostosa da casa e das histórias da avó, e até de quando ela trocava os nomes, chamando-me pelo nome de outra pessoa da família. O filme me provocou de diversas maneiras, mas ficarei com essa sensação predominante para descrevê-lo: nostalgia.
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