Com uma abordagem metalinguística, o curta AMÉLIA EM TRANSE retrata o último dia de gravação de um filme, onde as situações fogem do controle e o esforço de realização parece estar indo a baixo. A maior parte das cenas a qual assistimos se assumem como um making of, mostrando o que está por trás das câmeras e os acontecimentos adversos que sempre permeiam o set de filmagens. É a partir destes eventos extra diegéticos, para a trama interna, que a narrativa se desenvolve, acompanhando o processo de inadvertências que se intensificam ao longo da narrativa. O personagem Escobar, o diretor, assume o papel de antagonista, pois no geral são suas ações que contribuem para o arrefecimento dos demais participantes, fazendo sua função ser subvertida, já que o diretor de uma produção precisa guiar os atores. Deste modo, a sua personalidade é extremamente estereotipada: um diretor com ego elevado e que não possui o tato necessário para trabalhar em grupo.
Em meio as cenas que compõem o making of também são mostradas entrevistas com o elenco da produção interna, onde os artistas demonstram seus sentimentos sobre a tão esperada última diária de gravação e as suas reações a partir das peripécias que vão se sucedendo. Estas sequências possuem uma noção norteadora, pois é uma maneira de demonstrar ao espectador o pensamento dos participantes sem usar o recurso da voz off, por exemplo. Ademais, tais passagens ajudam a caracterizar o filme em sua atmosfera de “fora das câmeras”, mas também pode causar confusão pois normalmente entrevistas com a equipe não são montadas juntamente com o making of. Com isso, a partir do momento em que esta perturbação se inicia, a dúvida sobre o que é ou não a ficção interna se instaura, pois não sabemos em quais esferas tais registros audiovisuais se situam. além disso, no momento em que a gravação interna está sendo rodada, o que a câmera está vendo o espectador vê também. Deste modo, a obra sai de seu caráter apenas de extra diegético e entra na diegese do filme por meio das gravações oficiais e das entrevistas. Isto causa no espectador uma desorientação sobre o que está assistindo, pois não consegue determinar com que tipo de produção está em contato, já que o dispositivo não é bem delimitado: caso esta criação fosse realmente um making of e isto fosse dito ao público, as gravações e entrevistas não deveriam aparecer pois fugiria do padrão estabelecido. Como em AMÉLIA EM TRANSE somos colocados diretamente com o filme, sem a prévia explicitação do dispositivo, a confusão é justificada - pois na verdade, o dispositivo nem existe.
Para caracterizar visualmente os três tipos de filmagens existentes dentro do mesmo filme, cada esfera exigiu particularidades técnicas únicas. Deste modo, nas cenas do making of o registro foi feito com a câmera na mão e com movimentos leves, semelhante há como são gravados normalmente. Além disso, nestes momentos a saturação é muito menor do que as demais, já que representa uma imagem que saiu diretamente da câmera para a tela, aproximando o público do material gravado. Entretanto, as sequencias que simulam a gravação do equipamento diegético são muito mais saturadas, contrastadas e bem iluminadas, pois compõem o que seria o produto final. O cenário também ajuda nesta diferenciação, com cores vivas e objetos de cena específicos. Por fim, as entrevistas se diferenciam a partir de seu aspecto de cor mais quente, com a presença do marrom e o quadro totalmente parado, sem movimentos de câmera. Com isso, a particularização de cada estilo foi alcançada com êxito. Caso tivesse sido realizada com a mesma configuração em todas as partes, seria muito mais difícil compreender a ideia que estava sendo construída.
Com a diferenciação entre os modelos estabelecida e a confusão sobre o que é a produção que estamos assistindo instigada, surge o que seria a resolução para a dúvida. Na penúltima cena de making of, o personagem Escobar entende que cometeu erros com a equipe e começa a se deplorar. O interessante é que o diretor se senta exatamente no mesmo lugar em que Amélia ficava durante a filmagem e, na sequência, pega o boneco de porcelana na mão, concretizando a mesma ação que a personagem realizava. Deste modo, a ficção se confunde com a realidade do filme, o diretor se transforma em personagem, a dúvida sobre o que é ou não atuação se intensifica. Com isso, a última cena chega para nos mostrar que o que achávamos que era um making of na verdade fazia parte da composição final e que todos os acontecimentos faziam parte da trama, tudo era atuação. O grande plano geral esclarece que tudo o que vimos fazia parte do espetáculo, porém instaura mais uma camada de questionamentos: AMÉLIA EM TRANSE acabou antes desta cena ou ela também compõe o show? A última cena também é uma atuação ou um trecho da gravação real que foi adicionado ali apenas como explicação? As dúvidas ficam com o espectador e o filme se encerra.
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