O Programa Bolsa Família consiste em transferir dinheiro do Governo Federal para famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza. Apesar de estar vigente há anos e ter aumentado o número de beneficiários contemplados, ainda há uma parte da população que não tem conhecimento básico sobre esse recurso de auxílio, evidenciando, assim, a desuniformidade da sociedade brasileira.
Dirigido e roteirizado por Daiana Schneider, Um oito sete é um documentário que retrata essa desigualdade e as visões limitadas da classe média sobre os beneficiários do programa Bolsa Família. O curta-metragem consegue transmitir, em poucos minutos, realidades totalmente díspares.
Um oito sete recebe esse título pois traz discussões sobre o valor médio do benefício dado pelo governo: cento e oitenta e sete reais. É notável que, a partir da significância que os entrevistados dão para esse montante, pode-se traçar classes bem definidas: de um lado, a classe média alta e, do outro, a classe baixa, como se evidenciará mais à frente. O curta constrói uma atmosfera de reflexão acerca desse assunto, exibindo entrevistas com os moradores santa-marienses que, muitas vezes, apresentam comentários néscios, levando-me a uma indignação tamanha.
O documentário tem caráter expositivo visto que em momento algum há intervenções de locutores, exibindo, apenas, as opiniões dos entrevistados. Essa ausência de interlocução dá uma facilidade maior para que o espectador construa seu próprio julgamento ao se deparar com ambas as vivências.
O documentário delineia, com maestria, a parcela minoritária privilegiada da sociedade. Os entrevistados, que apresentam diversidade em suas características físicas, cor, faixa etária e profissão, ao serem questionados sobre o que fariam com um acréscimo mensal de cento e oitenta e sete reais, respondem que não destinariam esse dinheiro às necessidades essenciais e sim à luxos e lazeres.
Infelizmente, não são todos que podem ter o prazer de não se preocupar com sua sobrevivência. No Brasil, de acordo com levantamentos da Caixa Econômica Federal, 13,9 milhões de famílias estão inscritas no Programa Bolsa Família, sendo todas elas inseridas na classe E. O Plano CDE, uma empresa de pesquisa e avaliação de impacto especializada nas famílias CDE no Brasil, aponta, ainda, que essa parcela somada à classe D compõem 58 milhões de brasileiros e, tenho em vista o cenário atual de pandemia, 24% dessas famílias perderam toda a renda.
A informação de que o valor discutido era a única garantia mensal de várias famílias impressionou os primeiros entrevistados. Muitos deles demonstraram não saber como destinar essa renda caso passassem por essa situação, tendo em vista que levaram em consideração somente a alimentação, descartando todas as despesas que são gastas com a moradia. Isso evidencia “a bolha” em que eles vivem, sendo que um dos homens informou que, para a realidade dele, esse montante é insignificante.
Enquanto alguns acham que o valor não acrescenta em muita coisa, por outro lado, os que vivem em uma situação de pobreza contam como acontece a divisão de gastos. Esses, diferente dos entrevistados iniciais, não apresentam diversidade de cor, evidenciando que a pobreza ainda afeta majoritariamente a população preta, que são os que mais sofrem com a desigualdade.
Com esses depoimentos nota-se que, apesar de não garantir o sustento dessas famílias, o benefício impacta positivamente, permitindo que elas garantam itens básicos. O montante serve apenas de auxílio. Assim, é necessário que os beneficiários procurem outras fontes de renda- ao contrário do pensamento de uma professora entrevistada, que afirma a existência de uma acomodação dessas pessoas ao receberem o dinheiro, como se ele fosse o suficiente.
Além dos depoimentos das diferentes classes apresentarem divergências, é possível perceber o contraste nos ambientes captados. O parque verde cheio de crianças jogando futebol com diversas bolas disponíveis, usado como cenário para a entrevista daqueles que compõem a classe média, destoa com a humildade da residência dos beneficiários, onde um deles faz uso de uma bola puída para jogar com seu filho.
Um oito sete tem intrínseco, em sua simplicidade, um debate extremamente atual. Ele reflete os diferentes nichos da sociedade brasileira de uma maneira totalmente objetiva e, dessa forma, leva à uma reflexão sobre a desigualdade que, muitas vezes, pode-se passar despercebida.
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