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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

Foto do escritorLeonardo Andrade

Onde se procura negritude se acha solidão: Procura-se Bixas Pretas e o desencontro da performance.

Com uma estética menos rebuscada e que procura conversar com o público por meio da convencionalidade estática do documentário de entrevista, Procura-se Bixas Pretas, dirigido por Vinicius Eliziário, mostra uma sequência de relatos em que o ficcional e o real se misturam, ao passo que ressignifica a mentira da dialética cinematográfica em que tudo que se diz em um documentário é tomado como a verdade.

Em momento algum o curta transparece ao espectador a transição da veracidade do depoimento. O recurso utilizado aqui está na encenação das personagens. Enquanto algumas soam mais mecânicas, evidenciando um texto ensaiado, outras exageram na teatralidade e no teor dos detalhes, o que pode soar mais orgânico, mas não deixa de embater com a câmera estática, usada aqui como uma câmera de segurança. Ela não se mexe, não muda a narrativa. Ela apenas enquadra e reenquadra.

O curta introduz as personagens banhadas em uma colorização muito particular. Ao assumir sombras difusas e cores que remetem à estética neon, a pós-produção insere a ideia de que ouviremos depoimentos de um cotidiano peculiar. Ademais, a acentuação dos tons pastéis ressoa num espaço histórico do documentário de entrevista. Meeting the Man: James Baldwin in Paris, dirigido por Terence Dixon, traz muito dessa estética da cor diluída pelas sombras na pele preta. O mais curioso é que ao invés do curta adotar a voz desse documentário mais excêntrico no que tange a sua forma, ele rapidamente se veste de preto e branco e busca no texto, na palavra, longe da imagem, um poder que monta o impacto visual do cinema no texto dramático. Dessa forma, o documentário se assemelha muito mais a Tongues Untied, de Marlon Riggs, adulterando a homossexualidade, um construto social de exacerbação estilística, como o antagonista da filosofia da cor; e a transexualidade, como a fortaleza intransponível da cor de uma pele que se esconde sob a descoloração cinematográfica.

Existe uma confissão de apelo emocional muito forte. O depoimento de jovens negros homossexuais vivendo os prazeres da vida noturna e os desencontros da solidão convergem em uma figura de desejo e disputa. Darnley, um dos entrevistados, é comentado diversas vezes, por mais de uma pessoa, antes de sua aparição. Nele está o reflexo da necessidade humana de se sentir querido. Relatos de encontros que não aconteceram, ou que aconteceram e terminaram com reviravoltas desagradáveis, mas que não deixavam de exprimir uma sensação de ser trocado. Darnley aparecia e ia embora. As relações insólitas do curta reverberam em uma geração efêmera e pautada na rapidez que alguém pode responder um like. As histórias que caminham sobre a sensibilidade dos sentimentos e causam um afastamento de intimidade por parte do lado que teve seu desejo negado entram em conflito direto com a postura das personagens, sempre trajadas de confiança em suas falas e gestos. A ameaça do ego resvala em um ambiente muito conformista, realocando essa lógica com a mão criativa do diretor. Não há uma ousadia para reinventar a linguagem e ressignificar a lírica arrojada. Quando o curta parece cambalear em uma linha tênue entre o real e o ficcional, tendo interferência direta do realizador, se espera que haja uma desenvoltura, perpassando por uma temática teatral na encenação, mas o controle criativo é rígido e prefere sustentar seu argumento limitando seus recursos e se apoiando na progressão narrativa por meio da fala.

A força de Procura-se Bixas Pretas reside na identificação das personagens com seus ídolos, em especial a drag queen Tigrezza. A excelência da performance e a importância da afinidade pela persona decalca sob sentimentos de reconhecimento e justiça um título que revigore as esperanças de um mundo sem julgamentos e perigos que inevitavelmente se sujeitam ao preconceito. É satisfatório acompanhar a ausência desse tipo de relato no curta. Não existe uma aura de preocupação ou insegurança. São simplesmente humanos que estão tentando buscar a satisfação de seu hedonismo, coração e ambição. São situações que abarcam uma gama de questões, mas o racial combativo não é um deles e é primorosa essa decisão do diretor. Ainda que durante as gravações essas histórias tenham acontecido, a pós-produção não assume essa visão e prefere garantir que o tempo alocado nesses 25 minutos seja um espaço de segurança.

Por fim, o conformismo adotado pelo diretor para documentar suas personagens e entregar um portfólio de figuras complexas, abordando algumas questões supracitadas, cria um reconfortante confessionário, ainda que seus depoimentos componham uma inflexibilidade formal que não acrescenta nada de novo na relação que o curta tem consigo. As falas com suas pausas e entonações dramáticas estrategicamente colocadas sintetizam o repertório de Procura-se Bixas Pretas. Se a câmera não caminha pelo espaço entre a cadeira do entrevistado e o tripé, e a pós-produção não retoma a ressignificação tonal ao realocar as cores, resta ao curta modelar sua dramaturgia e recriar sua linguagem a cada corte, inserindo um conteúdo mais carregado de emoção à medida que argumenta sua identificação e pessoalidade por meio da estética autoral.

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