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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

Foto do escritorRafael Carvalho

Presos No Passado

Ao revisitar o passado, a imagem que me vem à mente é a de um garoto sonhador, que queria de todas as formas orgulhar os pais — ou ao menos tentar. Hoje, ao olhar para quem me tornei, percebo que, apesar de tudo, ainda carrego parte daquele garoto comigo. E é justamente essa semelhança, entre personagens e eu, que me salta aos olhos enquanto assisto a este curta-metragem. Diogo, o protagonista, espelha o que sinto: a sensação de estar preso ao passado, fechado para o futuro. A maneira como isso é retratado no filme ressoa em mim de uma forma quase pessoal. Na obra “Pelas ruas ou: Como as lembranças me fizeram ficar perdido em meu próprio ser”, curta-metragem dirigido por André Aquino, vamos acompanhar Diogo, um jovem adulto que, entre goles de bebida e passeios solitários pelas estradas da cidade, se depara com um roedor falante, que trará questões inquietantes sobre o seu apego ao passado.

Em uma noite aparentemente comum, essa figura improvável — que mais tarde Diogo descobrirá ser uma parte de si mesmo — guia o homem em uma jornada introspectiva, levando-o a questionar seus hábitos noturnos e a revisitar memórias de sua juventude. Entre diálogos leves e momentos de reflexão profunda, o protagonista é forçado a confrontar seus medos, sonhos e as mudanças inevitáveis que a vida lhe trouxe ao longo do caminho.

O personagem principal é retratado como uma figura solitária, uma alma que se move pelas ruas da cidade como um espectro, imersa em sua própria existência. Seu cotidiano é marcado pela solidão: ele bebe sozinho em bares vazios, onde a sua presença parece quase incidental, um mero reflexo do ambiente que o cerca. O roteiro habilmente combina momentos de humor, especialmente na voz da criatura, com reflexões existenciais de grande peso. Mesmo nos momentos em que os diálogos parecem triviais ou engraçados, há um subtexto que leva o espectador a questionar com Diogo: quando começamos a mudar?

O protagonista, em sua solidão, parece evitar ativamente o contato humano. Seus passeios noturnos são retratados em cenários urbanos desertos, onde não há praticamente nenhuma interação com outras pessoas, além de seu novo amigo. A escolha do diretor em ambientar grande parte do filme em cenários vazios destaca a desconexão de Diogo com o mundo ao seu redor.

O animal, que inicialmente parece ser uma figura cômica, logo revela seu papel crucial como a representação da própria consciência de Diogo, uma parte da qual ele tem nojo, como dito no curta. Sua forma inusitada reflete o desconforto do homem em encarar a si mesmo e seus dilemas. É uma figura de confronto, que obriga o protagonista a revisitar memórias que ele tentou esquecer ou ignorar. Ao longo da narrativa, o roedor faz perguntas simples, porém incisivas, que gradualmente abaixam as camadas de proteção emocional que Diogo construiu ao longo dos anos.

Os diálogos entre o homem e bicho fluem de maneira leve, mas carregados de significado. O rato faz perguntas simples, mas repletas de subtexto, como ‘Você se lembra?’, retornando à vida da escola de Diogo, fazendo-o recordar de velhas amizades e velhos amores, ou ‘Desde quando exatamente?’, colocando o protagonista para refletir sobre seus gostos curiosos de andar sozinho à noite, relembrando sua adolescência. São essas indagações que, pouco a pouco, fazem Diogo abaixar sua guarda e refletir sobre o caminho que o trouxe até ali.

Esse momento, quando o protagonista revisita o seu passado, me incentiva a pensar sobre o meu próprio passado, relembrando tanto os momentos bons quanto os ruins, que me moldaram ao longo do tempo. Há uma sensação de arrependimento misturado com nostalgia — a sensação de não ter aproveitado certas experiências e o medo de não conseguir reaver essas oportunidades perdidas. É como se o tempo tivesse levado consigo não só as memórias, mas também a capacidade de sentir as mesmas emoções intensas. Essa reflexão, que o filme provoca de forma sutil, nos faz perguntar: até que ponto o apego ao passado nos impede de viver plenamente o presente?

A forma como o filme é planejado, a escolha estética de André Aquino, em criar um estilo visual desenhado à mão, quase como rabiscos, reforça o caráter fragmentado da mente de Diogo. Cada traço parece inacabado, como se a realidade de Diogo estivesse constantemente se moldando e desmoronando. Isso cria um efeito visual que se alinha perfeitamente com a narrativa introspectiva do filme — o ambiente ao redor de Diogo nunca parece completamente estável, refletindo seu próprio estado emocional. O uso de tons monocromáticos e a adição de manchas que surgem enquanto ele caminha pela cidade sugerem que o mundo de Diogo é tingido pela subjetividade de suas memórias e arrependimentos. Ele não vê o presente com clareza, pois o passado continua a manchar sua visão, como uma tinta que nunca seca.

Uma das questões centrais que “Pelas ruas ou: Como as lembranças me fizeram ficar perdido em meu próprio ser” levanta é o inevitável confronto entre o passado e o presente. Diogo, como muitos de nós, se encontra preso em um ciclo de nostalgia e arrependimento, incapaz de se desconectar das memórias que o moldam. O filme, portanto, não se limita a uma narrativa sobre um personagem singular, mas se estende a um questionamento mais amplo sobre como todos lidamos com as mudanças ao longo da vida. A figura do roedor, que frequentemente questiona Diogo sobre o que ele perdeu e o que escolheu deixar para trás, revisita o conflito universal: até que ponto nossas memórias nos prendem, impedindo-nos de seguir? O curta retrata de forma melancólica e introspectiva o peso que o passado pode ter, tornando-se uma sombra que molda todas as nossas ações e decisões futuras.

Ao final do filme, não há respostas fáceis ou conclusões definitivas. O curta deixa o espectador com mais perguntas do que respostas, incentivando uma reflexão pessoal sobre sua própria relação com o passado. A jornada de Diogo é, em muitos aspectos, a jornada de todos nós — uma luta constante entre aceitar as mudanças do presente e o peso das memórias que carregamos. Ao nos apresentar um protagonista que está tão preso ao passado que não consegue avançar, o filme nos força a confrontar nossos próprios medos e arrependimentos. Talvez a maior força da obra de André Aquino seja justamente essa: sua capacidade de se conectar com o espectador de maneira emocional, convidando-o a olhar para dentro de si mesmo.

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