Na divisão dos filmes selecionados entre os membros da cobertura, desejei muito não cair com um documentário. Me considero uma péssima espectadora do gênero. E, como realizadora, como a primeira frase também dá a entender, tampouco tive muito sucesso. Daí a minha relutância em escrever sobre um documentário. Ficção é a minha área de conforto. Mas, em uma oferta da coincidência, talvez com o objetivo de mudar o meu costume, caí com o documentário em curta-metragem “Exotismos”.
Apesar da posição desconfortável que o gênero cinematográfico me colocou, a temática do filme me levou a um ambiente familiar e incitante de muitas expectativas. O curta goiano, dirigido por Alessandra Gama, fala de identidades e expressões fora do padrão a partir de personalidades que frequentam uma mesma cabeleireira, Yoná Cunha. A profissional de cabelos avermelhados, tatuada, com sobrancelha descolorida e um piercing microdermal em seu rosto, assim como seus clientes, também se expressa, a partir do seu estilo e de sua arte (a de pintar e cortar cabelos), de forma diferente da considerada habitual. Não que eu conheça Yoná, mas eu conheço cabeleireiros e histórias muito semelhantes.
Alessandra Gama tira proveito da capacidade da sua história de gerar identificação e cria, em uma das primeiras sequências do filme, uma lógica de subjetividade que tenta transformar espectador em personagem. Através de planos fixos da cidade, interpolados à imagens destoantes captadas por drone que eu escolho desconsiderar por um momento, a diretora nos guia até o salão de Yoná. A placa na fachada, que carrega o nome Exotismos Estúdio de Beleza, é singela e precisa de um plano detalhe para ser identificada. Em um corte, estamos dentro da propriedade e dois cachorros nos lançam um olhar rápido e curioso, que ressalta em mim a sensação de ser vista por alguém de dentro da tela. Como um cliente novo, decupamos os detalhes do lugar inédito e cheio de informações. Fora os cachorros, as plantas trepadeiras e os espelhos com molduras em formatos orgânicos completam a lista de requisitos que um salão de beleza alternativa deve ter. E eu me sinto em um ambiente confortável. Me sento e aguardo o meu horário, enquanto ouço a cliente anterior conversar com Yoná com a mesma curiosidade que investigo o espaço com o olhar.
A sensação de proximidade e participação ativa a qual o filme me convida é reafirmada mais algumas vezes antes de se perder. Os planos fechados realçam a intimidade e a qualidade de nicho a qual o estúdio e os estilos mostrados se enquadram, mas logo são trocados por um olhar frio e distante. Ao explorar a vida pessoal de Yoná, o filme adentra em uma zona de desconforto. A câmera parece se desajeitar e a lógica de direção e montagem que nos colocava dentro da história, como um ouvinte curioso que junta pedaços de relatos aleatórios sobre pessoas que não conhece, se perde. E eu sou retirada do curta de forma abrupta.
Tento me questionar se a leve decepção é causada por uma perda de traços ficcionais no filme e que, logo, estou sendo injusta no meu julgamento por tentar me manter ligada somente ao que me é confortável, mas não me convenço. A verdade é que o filme me parece assimilar uma lógica mais hegemônica para contar sua história, mesmo que seu conteúdo se declare uma espécie de resistência frente à padronização — ainda que essa seja de outra espécie. E, pior ainda, admite a nova lógica mesmo que tenha mostrado saber utilizar de uma outra mais inventiva. Ele opta, conscientemente, pela monotonia de cenários que pouco se relacionam com a expressão e as falas das personagens, como um parque que funciona apenas como um pano de fundo óbvio e planos de cobertura com ações encenadas que não assumem a artificialidade, nem abraçam a naturalidade por completo e residem em um meio termo maçante.
Também penso no meu incômodo com as imagens destoantes do início do curta, filmadas por drones e já citadas a priori. Entre algumas dessas, paredes pintadas e — um pouco — pichadas são um assunto recorrente, que busca criar paralelismo com as expressões artísticas realizadas em peles e cabelos. Mas que tem, em sua composição, traços que me trazem a sensação de uma higienização artística, que contempla apenas o mais bonito, comercial e fácil de assimilar. Os excessos de desenhos realistas, as várias cores vibrantes harmonizadas perfeitamente e as figuras sempre bonitas e nunca ofensivas diferenciam aqueles muros dos demais, mas ainda os mantêm arrumados e limitados a fim de garantir sua aceitação. Diferentes, mas não o suficiente para atrapalhar ou incomodar uma normalidade e sim, a agradar ou convencer. Um movimento que é similar ao que o filme traça em certo momento, quanto a sua forma.
Apesar disso, os relatos dos entrevistados da segunda metade do curta são bonitos e a escolha de personagens contempla diversas subjetividades. O que explicita um cuidado em falar da experiência de estar fora do padrão e as dificuldades e felicidades que isso implica, a partir de diversas óticas. Afinal, as possibilidades de expressão são múltiplas, mesmo dentro de nichos ou até de uma mesma pessoa. Nesse ponto, sinto falta de me emocionar um pouco mais com as histórias, como aconteceu no início do filme com Clau, a futura professora que é “por enquanto, barista”. Mesmo assim, o filme é capaz de construir no fim um ambiente agradável de acolhimento a entrevistados e espectador, ainda que não convide mais esse último a entrar por completo nele. E eu o termino, não decepcionada ou descontente, mas sentindo falta de algo.
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