Logo de início, pinturas ocupam a tela do curta Tarja Preta, de Nícolas Sanches. Levadas pelo som por meio de transições rítmicas, essas imagens já me provocam uma primeira impressão. O filme se torna atraente e me pergunto a que tipo de obra estou assistindo. A performance de um homem grisalho nu, me traz um certo tom de estranheza, apontando um lúdico – ou foi o que pensei inicialmente –. A obra perde seu tom abstrato logo em seguida com um baque: uma batida na porta e Irene se levantando para abri-la, me trazendo de volta para a “realidade”, ou o mais próximo disso no caráter cinematográfico. A música é interrompida abruptamente.
A ideia de que “pais e filhos não foram feitos para serem amigos” é moldada e desmoldada ao longo do filme, pois trabalha com a relação da protagonista e seu pai que estão obviamente distantes emocionalmente, travando uma batalha entre alinhar suas vidas pessoais, reaproximarem-se e conhecerem mais um sobre o outro. Ao longo do trajeto, acompanhamos um pai que sequer sabia que sua filha não consumia carne desde os 15 anos até uma – cômica – tentativa de auxiliá-la em seus problemas no trabalho ao fingir ser uma pessoa do ramo da arte coletando opiniões sobre a exposição e destacando pontos que considera importante sobres as obras para completos estranhos (utilizando também um cachecol roubado, o que logo é notado pela dona).
E talvez o que mais tenha me chamado a atenção no filme sejam os diálogos. Eles me parecem engessados e pouco naturais, o que quebrou um pouco da minha imersão inicialmente e dificultou a assimilação da evolução do relacionamento entre os personagens principais. Como consequência, senti que o final demonstrou um salto muito maior do que o desenvolvido ao longo do filme. Mas depois refleti: creio que é uma demonstração de como nem sempre as mudanças são visíveis quando tratamos de sentimentos, e como quando estamos distantes emocionalmente, nossas conversas parecem até mesmo forçadas, como se algo nos segurasse.
Irene e seu pai mantinham diálogos frios, tendo o primeiro momento de êxito social entre ambos a cena após o dia no bar, na qual o pai chama os colegas de trabalho de Irene de otários por não a valorizarem. A impressão que tive nesse momento foi de que o homem pode ter se dado conta de que muitas vezes ele mesmo não lhe deu o devido valor, desconhecendo as características da própria filha, o que o levou a ir até a galeria e, enfim, a interessar-se pelo trabalho dela, dando-lhe a atenção que não a dava desde os quinze anos.
Um ponto que me chamou a atenção foi a escolha do nome para o filme, pois inicialmente acreditei que esse tinha relação a medicamentos controlados como antidepressivos, algo que na sociedade atual é consumido cada vez em maior quantidade. Até mesmo me peguei aguardando o momento em que um dos personagens o tomaria; quando abordaria o tema da medicação, e só então entendi que poderia ser outro tipo de tarja preta a qual o filme se refere: a censura. Não se usa de modo literal a faixa de censura, mas é crível que refere-se a reação a atitude do pai de despir-se em meio a galeria de arte e performar após assistir diversas críticas sobre as obras de sua filha, voltando então para o campo lúdico, ou ao menos foi a impressão que obtive, pois o porquê da atitude do homem ficou sem uma resposta exata para mim.
O lúdico mais uma vez é quebrado de forma brusca, dessa vez com uma música calma que abre espaço para a enfim conexão entre pai e filha através de uma risada alta e um aconchego dela no ombro dele, no que acredito ser o banco de trás de uma viatura, enfim (usar um sinônimo) quebrando a sensação de secura nos diálogos e então fazendo surgir uma naturalidade naquele relacionamento. Por fim, apesar de ter tido alguns questionamentos em relação à obra, minha experiência com Tarja Preta foi agradável, pois foi como uma grande espera de 14 minutos para que houvesse essa reparação no relacionamento e, diferentemente de outras obras, ela realmente me dá o que eu esperei.
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