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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

Foto do escritorL. Cinema

Tarde demais e dentro da sincronia

A harmonia temporal das piadas, o timing, é a base para o funcionamento de uma comédia, mas não é só isso que a sustenta. Também é necessário levar em consideração os aspectos técnicos, as maiores contradições de Oito em Ponto.

No início, somos apresentados a esse mundo teatral do filme, sendo a planta de uma casa seu ambiente e o vácuo do universo o redor. Ousada essa escolha de aproveitar as limitações da linguagem teatral para abraçar completamente o estilo de representações e imaginação. O curta é a adaptação de uma peça do dramaturgo alemão Karl Valentin que retrata a odisseia de um casal na tentativa de não se atrasarem para a ida ao teatro. Eu achei ótimo como esse fragmento atípico do cotidiano foi transportado para o contexto brasileiro e conseguiu manter o apelo até nos momentos mais fracos da estrutura narrativa, pois investe sempre no humor e no dinamismo dos personagens com a trama.

Os personagens e suas excentricidades são uma joia narrativa. Cada metade da dupla amorosa tem o complexo de querer demonstrar independência enquanto são dois seres completamente equivocados em tudo que se propõe, o que concede personalidade e imersão à trama. Afinal, essa sintonia na falha expressa bem o discurso do filme que já na forma transmite a pressa frenética cujos protagonistas vivem para não se atrasarem e terem que confrontar a frustração do habitual. Até mesmo a vizinha, que parece ter sido jogada no roteiro apenas para encher a estrutura dramática, tem uma interessante ar inusitado que converge com o que está sendo exibindo. Ela, que aparece completamente do nada como objeto da narrativa para causar imbróglios, serve como entretenimento devido seu carisma e excentricidade.

Ao terminar de assistir, fiquei impressionado em seu primor com relação ao ritmo, o motor da peça, e em como essa grandeza é centralizada com o tema do filme. Apesar de eu sentir que o tom da fala dos atores em geral não conversa com a proposta caricata do curta devido a um teor sintético, é palpável o carisma dos atores e como eles estão afiados no roteiro, algo extremamente necessário para a experiência. A comédia precisa que os atores estejam na mesma sintonia e no ritmo certo para que a piada tenha todo seu potencial humorista alcançado, felizmente é o que ocorre no curta. No fim, a peça foi gigante em seu objetivo, apesar de parecer que o extradiegético conspirava contra o filme.

A trilha sonora e a sonoplastia foram os instrumentos narrativos que mais me afetaram negativamente durante o show. As músicas-ambientes tinham um caráter extremamente brega e destoante da premissa que trata sobre a rotina contemporânea latino-americana, me obrigando a questionar se os realizadores estavam em sintonia com o discurso da obra e com eles mesmos, pois eu não conseguia ver a compatibilidade entre essa formosa trama teatral com música de elevador e um efeito sonoro de disco arranhado sendo tocado três vezes no mesmo contexto. No fim, tive a sensação de que eles tentaram encaixar mecanismos narrativamente divergentes apenas pelo fator espetáculo, o que acabou se tornando uma bagunça auditiva.

Eu senti dificuldade em entender qual é o conceito da cinematografia, pois ela contradiz tantas vezes noções básicas de fotografia que chega a sugerir uma autoralidade única no audiovisual ou um descaso imenso com esse quesito técnico; como quando ela enquadra o motivo radicalmente decentralizado sem razão aparente ou só um personagem durante uma boa parte do diálogo e na linha em que ambos falam juntos. Uma explicação plausível para tal fenômeno é que o curta foi filmado simultaneamente por mais de uma câmera ordenada por pessoas diferentes e suas perspectivas diferentes, cada um acreditando que o que sua câmera não estava conseguindo capturar, a outra câmera conseguiria, e então o editor teve que tentar encaixar os planos com o que dava para ser visualizado.

Apesar dos pesares, Oito em Ponto entretém e consegue manter o sentido na trama com seu ritmo magnético, o texto divertido e o carisma dos atores. Elementos esses que superam a falta de coerência técnica e até mesmo criativa e momentos de pedantismo na estrutura narrativa. Com esse grupo de empecilhos técnico da obra, eu levo como mensagem que a pressa é inimiga da perfeição.

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