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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

Foto do escritorJoão Vinícius Gutierre

Tô esperando você voltar e a livre natureza das certezas

Grande parte dos jovens que entram no mundo universitário já entram pensando naquilo que veem em filmes. Pensam que fazer faculdade é: dormitório individual (ou em duplas), festas, esportes, relacionamentos e etc. (sendo a maioria ou não, para alguns isso acaba sendo mais verdade do que para outros). Externamente, é tudo o que desejam, mas quando se traz para o íntimo, o que eles estavam querendo mesmo era só se embriagar deste sentimento de liberdade, independência, livre de limites, visto que boa parte deles moravam ou ainda moram com os pais. E entrar na faculdade traz esse desejo à tona - mais do que qualquer adolecscente no auge da puberdade lidando com suas novas descobertas e sensações. Eles anseiam por essa mudança, essa quebra na rotina.

No filme Tô esperando você voltar, dirigido por Marina Lavarini, não estamos em um contexto universitário, mas temos como protagonista uma jovem adulta, Jacy, que passou por uma quebra de rotina como essa. Mas elevada a um nível além do de apenas se mudar da casa dos pais. Jacy saiu do íntimo para o histérico, do interior para a capital. Para muitos isso é algo impensável - seja por medo, condições financeiras ou até mesmo a falta da vontade própria. Jacy, como conta o filme, não teve medo de ir se aventurar sozinha em São Paulo. Aventura essa que lhe rendeu o seu dormitório individual (ou duplo, se contar a companhia de seu gato), um trabalho e uma nova vista. Nem boa, nem ruim, mas uma fresca vista, uma nova maneira de enxergar o seu arredor e, principalmente, de se enxergar. Mas isso, a custo de outros olhos, outras vistas. Pois esse é o preço da mudança, para ocupar um novo espaço você tem que desapegar do antigo. Essa é a regra.

No filme, o que a jovem Jacy deixa para trás é parte dela, é sua família. O preço que ela se dispôs a pagar. É interessante pensar nessa transação quando uma pessoa não tem que pagá-la sozinha. Muitos familiares apoiam essas mudanças na vida dos filhos, sobrinhos, netos e etc. Outros vetam, tentam persuadir ao oposto. No caso, aqui fica implícito que Jacy veio para a cidade grande com as bênçãos da família que lhe queria o sucesso, mas não demora muito até isso tudo ser repensado e bater a vontade de voltar atrás. A ideia (preenchida de medos e incertezas) de trazer o prodígio de volta é tentadora para muitos. Quem tenta fazer isso com a protagonista é sua tia, ainda que indiretamente ou inconscientemente. Mas não tem sucesso, a sobrinha já criou raízes no concreto.

Para muitos destes jovens que se aventuram nas mudanças, essas tentativas de trazê-los de volta à rotina, embora falhem na maioria das vezes, faz pesar a consciência. Um “será que fiz o certo?” pode surgir na mente, e pode ser traiçoeiro. E temos um bom vislumbre disso no filme, quando vemos a tia contando causos afetivos da terra natal de Jacy e, com todas as palavras, pedindo para que ela volte.

Como espectador, posso dizer que o filme acerta em emocionar, fazer sentir a angústia da personagem. Não apenas por já ter me encontrado na situação de Jacy (ainda que em escala reduzida), mas também pela doce voz dos áudios gravados por Socorro Lira (intérprete da tia). Mesmo não aparecendo fisicamente em cena, conseguimos sentir sua presença e o seu peso na vida da nossa protagonista, que por sua vez nos entrega uma atuação carregada de melancolia, os olhos de Júlia Anastácia, intérprete de Jacy, transbordam incertezas a cada mensagem de áudio reproduzida. A ambientação é outra coisa que me acertou bastante também, tenho minhas predileções pelo campo, mas sei do quão vantajosa pode ser a moradia no centro. Esse contraste dos “onde’s” e dos “quando’s” na vida da personagem ajuda a intensificar as essas dúvidas para Jacy e também facilita de fazer o espectador se sentir na pele da protagonista.

No filme, o momento que mais transportou, diretamente, para essa ansiedade, essa incerteza de Jacy, é também um dos mais claros e clássicos exemplos do cinema. A cena do cigarro. Uma cena muito linda, porém muito apática também. Nós, eu, senti essa apatia da personagem. Às vezes tentamos apagar, mudar algo dentro da gente, tentando matar esse algo. Mas o algo é que a gente também, uma vez aqui dentro, se torna a gente. Contra tudo e contra todos. E no caso, quanto mais alheio é, mais a gente se encontra. A partir do momento em que decidirmos se vamos manter esse pedaço estrangeiro dentro de nós ou não.

Uma selva de pedra contra uma vila verde e amigável; sons de brocas contra cantos de passáros; cigarros acesos contra quentes abraços. E a linda fotografia em conjunto das cores frias do filme pinta belos quadros, de novo, mergulhados em melancolia.

Tô Esperando Você Voltar é um filme sobre incertezas, sobre desejos, e também sobre desapegos. E é bem feliz em nos mostrar como, em muitos casos, nós recebemos dentro de nós as incertezas e os desejos alheios, que tomam todo o espaço para si, mas que é do desapego que vem a certeza. E as certezas são livres e independentes por natureza.


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